Naquele instante, Yekwool, um hominídeo gigante, corpo de protuberantes massas musculares, cruzou a fronteira de halo de luz. Sua pelagem rasa, foi-se revelando na sua cor castanho-alaranjada e brilhante, à medida que ele penetrava no mundo luminoso, vindo do lado escuro.
Yekwool caminhava meio errante, cego pela luz a que não estava habituado. Caminhava instintivamente, cambaleando, amparando-se aqui e ali nos cristais que lhe ladeavam o caminho e que cediam sob o seu peso. A vereda estreita por onde seguia, fazia uma curva apertada e mudava de direcção. Yekwool contornou a curva e deu de caras com uma luminescente. Ficaram frente a frente por instantes. Instantes que pareceram eternos, instantes em que Yekwool quase se deixou encantar pela beleza etérea da luminescente. Perdeu-se nos seus cabelos longos, intensamente brancos, de tanta luz irradiarem. Esqueceu-se de si naquelas feições delicadas, na elegância e na beleza dela, uma beleza sem idade. A luminescente recuou, esboçou uma fuga. Yekwool recuperou da letargia, saiu do encantamento e avançou decidido. E de imediato agarrou-a, apertando-a contra si. A luminescente evocou um feitiço e Yekwool viu-se a agarrar o vazio. Iludido desfez o abraço e ela, liberta, tentou fugir outra vez. Yekwool perseguiu-a, dominado por uma vontade fogosa, arrebatadora. Apavorada, a luminescente tentava tecer encantamentos no ar, mas ele já não se deixava iludir. Quase a alcançou, ela sentiu um arrepio na nuca, o bafo quente do demónio bem perto dela. Nesse instante, Yekwool agarrou o diáfano vestido que cedeu, deixando-a nua. A luz que ela emanava tornou-se então mais forte e, encadeado, ele perdeu-a, mais uma vez. Yekwool parou por escassos segundos, respirou ofegante. Todos os seus sentidos despertos, atirou-se para a frente, com ímpeto e violência. Saltou e agarrou-a. Prendeu-a firmemente nas suas garras, virando-a para si e, como recompensa do seu esforço, mordeu-a no ombro, junto ao pescoço. Do corpo da luminescente saltaram faíscas. Yekwool sentiu a sua língua a arder, gritou e largou-a. Ela correu, deixando um rasto luminoso atrás de si. O demónio encolheu-se, uivou, o seu corpo foi percorrido por uma energia intensa, que o atirou ao chão. Quando os espasmos passaram, mas ainda com todos os seus músculos a latejar, dolorido e de gatas, ele continuou a perseguição. Yekwool seguia o rasto deixado pelas faíscas, que já se apagavam. Pouco depois, começou novamente a caminhar direito, silencioso e rápido. Avistou novamente a luminescente, que cambaleava e se agarrava aos cristais. Aproximou-se sorrateiro por detrás dela e depois, como um felino, correu e filou-lhe os seus dentes no ombro, com toda a força. Desta vez, ele aguentou a vaga que o invadiu, bem mais fraca que a primeira. Ela apagou-se, deslizando pelos braços dele, que a largou, deixando-a cair. Yekwool olhou intensamente aquele corpo inerte e, num movimento rápido, mergulhou as garras no corpo dela e tirou-lhe o coração ainda luminoso. Olhou fascinado, com os seus olhos a reflectir aquele brilho que apenas se desvaneceu um pouco.
Yekwool dirigiu-se rapidamente para a fronteira que o separava do seu mundo. Quase a trespassar, voltou atrás, e pegou no corpo da luminescente. E levando-a, entrou no seu mundo. A sua cor tornou-se parda como tudo o resto. Continuou andando, carregando o corpo da luminescente numa mão e na outra o seu coração luminoso, até chegar a uma clareira. À volta, escondidos na vegetação sombria, monstros e demónios espreitavam. Largou o corpo no centro. Nesse mundo, ela tornar-se-ia numa criatura da noite. Olhou à volta, para os demónios que sabia estarem ali.
Depois, sem ele querer, levantou os olhos para as estrelas. Uma rapariguinha, escondida num cantinho do seu coração, através das janelas que eram os seus olhos, olhava mais uma vez para as estrelas. Fechou os olhos, ao mesmos tempo que todos os músculos do seu corpo se manifestaram num rugido que ecoou até as montanhas. Abriu os olhos e letargicamente, olhando as estrelas, caminhou em direcção ao promontório de um abismo, não distante dali.
Um estalido de ramos secos, na clareira atrás de si, fez o seu corpo parar. Virou-se. Na clareira, um demónio aproximava-se cauteloso do corpo abandonado da luminescente. Yekwool atirou-se a ele, com um rugido feroz. O outro demónio recebeu o embate, projectando-se ligeiramente para trás. Os dois agarram-se outra vez, num teste de força. Yekwool levantou o outro, muito acima do solo, numa demonstração de domínio, mas recebeu uma joelhada no peito, que o projectou de encontro ao solo, violentamente. E enquanto o outro demónio se refazia, agarrou-o por trás, num abraço a tiracolo, e cravou-lhe o joelho no cóccix, forçando a resistência da espinha dorsal. O outro demónio urrou de dor, mas aproveitando um ligeiro desequilíbrio, soltou-se, afastou-se uns metros, virou-se e avaliou o seu adversário. Quase de imediato, atacou violentamente, saltando com os punhos fechados no ar, que atingiram com estrondo a cabeça de Yekwool, que reagiu, empurrando-o e agredindo-o brutal e insistentemente, não lhe dando qualquer hipótese de retaliação. Finalmente, o outro demónio consegui afastar-se um pouco. E então, baixou-se, de cócoras, aceitou a sua submissão e, de mansinho, escapuliu-se dali.
Yelwool olhou à volta. Os outros demónios, escondidos, lançavam urros ora indignados, ora desafiantes. Yekwool deitou-se ao lado do corpo da luminescente. Os seus olhos ficaram a fitar as estrelas.
terça-feira, janeiro 24, 2006
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